domingo, 5 de outubro de 2025

A arte existe porque a vida não basta

Tenho pensado o quanto a vida, em sua forma mais crua, pode ser dura. Há dias em que tudo parece girar num ciclo de perdas, repetições e pequenas dores que vão se acumulando em silêncio. Se o ser humano vivesse apenas pela razão — só pelo que é lógico e palpável — talvez a existência se tornasse insuportável.

É nesse ponto que compreendo o que Nietzsche chamava de ilusão vital: essa capacidade quase mágica que temos de criar beleza no meio do caos. É quando inventamos uma canção para suportar a saudade, uma pintura para dar cor ao vazio, uma fé para acreditar que a dor tem algum sentido.

Freud dizia que essas ilusões — o amor, a religião, os ideais — são mecanismos de defesa necessários. E talvez ele tivesse razão. Não se trata de fugir da realidade, mas de criar pontes para continuar atravessando o deserto que ela às vezes se torna.

Ferreira Gullar resumiu isso tudo em uma única linha: “A arte existe porque a vida não basta.” E é verdade. A vida, sozinha, não basta. Precisamos das ilusões que nos salvam, das músicas que nos curam, das ideias que nos mantêm de pé quando tudo parece ruir.

Talvez viver seja isso: equilibrar-se entre a lucidez e o sonho, sem perder a capacidade de se encantar — mesmo sabendo que, no fundo, tudo é breve.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Que pressa é essa, gente?

Que pressa é essa, gente?

A vida já corre demais —

e agora corremos até nos segundos de um áudio,

como se três minutos fossem uma eternidade.

Um amigo nos envia a alma em palavras,

e a gente responde com aceleração 2x,

como quem passa os olhos num pôr do sol

sem deixar a luz tocar o rosto.

Se não temos três minutos pra escutar alguém

que nos ama, que confia em nós,

então estamos vivos pra quê?

Só pra cruzar a linha de chegada mais rápido?

Talvez estejamos confundindo velocidade com presença,

eficiência com afeto,

e perdendo — no meio da correria —

o que torna tudo isso suportável:

o tempo compartilhado.

Ouça com calma.

Cada pausa pode ser um abraço.

Cada riso, um sinal de vida.

Cada silêncio, uma esperança.

Porque se até a escuta virou aceleração,

então talvez estejamos mesmo

morrendo por dentro.

segunda-feira, 24 de março de 2025

O Peso da Reclamação: Como Ela Afeta Nosso Cérebro e Nossa Vida

Reclamar pode parecer apenas um desabafo inofensivo, mas a ciência e a filosofia mostram que esse hábito pode ser prejudicial ao nosso bem-estar. Se analisarmos a própria estrutura da palavra, percebemos que o prefixo “re-” remete a repetição ou retrocesso. Palavras como retrovisor (que olha para trás), retrocesso (voltar ao estado anterior), retrabalho (refazer algo que já deveria estar pronto) e até o próprio ato de andar de ré indicam movimento contrário ao progresso. Se tantas palavras com “re” nos remetem à ideia de voltar, por que ainda acreditamos que “reclamar” nos faz avançar?


A Neurociência e os Efeitos da Reclamação


Nosso cérebro é moldado pelos padrões de pensamento que alimentamos diariamente. Quando reclamamos constantemente, fortalecemos conexões neurais associadas à negatividade. De acordo com estudos em neurociência, os neurônios que disparam juntos criam conexões mais fortes, tornando mais fácil repetir o mesmo padrão de pensamento no futuro. Ou seja, quanto mais reclamamos, mais o cérebro se adapta a essa mentalidade negativa, tornando-nos propensos a enxergar problemas em tudo.


Além disso, a reclamação ativa o sistema límbico, a parte do cérebro responsável pelas emoções. Isso leva à liberação de cortisol, o hormônio do estresse. Em excesso, o cortisol pode enfraquecer o sistema imunológico, aumentar a ansiedade e até prejudicar a memória e o aprendizado. Assim, o simples ato de reclamar não apenas reforça padrões negativos, mas também compromete nossa saúde física e mental.


A Filosofia do Pensamento e o Autodesenvolvimento


Do ponto de vista filosófico, reclamar nos prende a um estado de passividade. Quando reclamamos, direcionamos nossa energia para o problema, mas sem buscar uma solução real. Diferentes correntes filosóficas enfatizam a importância de assumir a responsabilidade pela própria vida. O estoicismo, por exemplo, nos ensina que não podemos controlar tudo o que acontece ao nosso redor, mas podemos escolher como reagimos a isso. Reclamar, portanto, é uma forma de desperdiçar energia com o que não está em nosso controle, enquanto o verdadeiro crescimento vem da ação e da aceitação consciente da realidade.


O Caminho para a Transformação


Se queremos progredir, precisamos substituir a reclamação pela reflexão e pela ação. Em vez de reclamar sobre um problema, podemos perguntar: “O que posso fazer para mudar isso?” ou “O que posso aprender com essa situação?”. Pequenas mudanças na forma de pensar podem transformar nosso cérebro, redirecionando as conexões neurais para padrões mais saudáveis e positivos.


Assim, da próxima vez que sentir vontade de reclamar, lembre-se: seu cérebro está sempre aprendendo. Ele pode aprender a enxergar o problema ou a buscar a solução. A escolha é sua.


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Vesperata: Aproximando a Comunidade do Nosso Maior Patrimônio Cultural

A Vesperata é, sem dúvida, um dos maiores orgulhos de Diamantina. Um evento que atrai turistas de todo o Brasil e até do exterior, que enaltece nossa cultura e reforça a singularidade da nossa cidade. No entanto, é preocupante perceber como muitos moradores, principalmente nos bairros, escolas, igrejas e associações, conhecem pouco sobre ela ou até nutrem uma certa resistência ao evento. Isso não é apenas uma questão cultural, mas um problema que afeta diretamente o turismo e a imagem da nossa cidade.

A falta de informação sobre a Vesperata entre os próprios diamantinenses cria um afastamento que enfraquece a conexão entre o evento e a comunidade. A sensação de que “isso não é para mim” ou “é só para turistas” faz com que muitas pessoas não percebam o valor cultural, histórico e econômico que ela traz. Essa desconexão é prejudicial porque, para que a Vesperata continue crescendo e se fortalecendo, ela precisa do apoio e do envolvimento da própria população.

Popularizar a Vesperata é essencial. Não estou dizendo que ela é elitizada, mas é necessário levá-la mais perto do diamantinense. Poderíamos ter ações educativas nas escolas, oficinas de música nos bairros, apresentações menores em associações e igrejas que expliquem a importância do evento e aproximem as pessoas dele. Além disso, iniciativas que incentivem a participação direta dos moradores, como descontos especiais ou campanhas que valorizem o orgulho de ser parte de uma cidade que oferece algo tão único, fariam muita diferença.

A Vesperata não é apenas um evento para turistas; ela é um patrimônio nosso. E quando o diamantinense reconhece isso, ele se torna não só um espectador, mas um embaixador da nossa cultura. Esse sentimento de pertencimento é o que vai garantir que a Vesperata continue sendo um sucesso e uma referência. Afinal, ela só alcança seu verdadeiro brilho quando tem o apoio de toda a cidade, de todas as vozes, de todas as mãos.

domingo, 24 de novembro de 2024

Do Passado Escravagista ao Futuro do Trabalho: O Fim da Escala 6x1 como Novo Marco Histórico

 O Brasil tem uma história profundamente marcada pela escravidão, sendo o maior país escravagista do mundo e o último a abolir essa prática, em 1888. Durante mais de três séculos, milhões de pessoas foram submetidas a condições desumanas, trabalhando sem qualquer direito ou dignidade. Quando se discutia a abolição, muitos afirmavam que isso “quebraria” o país, mas o que se viu foi justamente o oposto: a libertação não apenas não quebrou a economia, mas abriu caminhos para novas formas de organização do trabalho.


Contudo, a abolição da escravatura não trouxe imediatamente melhorias na vida dos trabalhadores. Durante décadas, a força de trabalho livre foi explorada sem limites, com jornadas exaustivas que chegavam a 14 ou 16 horas diárias, ausência de férias, descanso remunerado ou garantias mínimas de segurança. A revolta social frente a essas condições levou à criação de legislações trabalhistas, mas elas frequentemente não eram cumpridas, deixando os trabalhadores desamparados.


Foi durante o governo de Getúlio Vargas que o Brasil deu um passo decisivo rumo à proteção dos trabalhadores, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. A CLT garantiu direitos fundamentais como a jornada de trabalho de 8 horas diárias, o descanso semanal remunerado, férias anuais, licença maternidade, entre outros avanços. Esses direitos representaram uma conquista histórica e mudaram a relação entre capital e trabalho no país, estabelecendo limites para a exploração e promovendo mais dignidade para os trabalhadores.


Hoje, mais de 80 anos após a CLT, continuamos discutindo novas formas de avançar nas condições de trabalho. O debate sobre o fim da escala 6x1, por exemplo, surge como uma nova etapa dessa evolução. O modelo atual, que exige seis dias consecutivos de trabalho para um dia de descanso, reflete práticas ainda muito próximas das lógicas exaustivas do passado. O impacto da mudança seria significativo, proporcionando aos trabalhadores mais tempo para convívio social, cuidado com a saúde física e mental e, consequentemente, mais qualidade de vida.


Assim como aconteceu com a abolição da escravatura e a criação da CLT, há quem diga que o fim da escala 6x1 trará dificuldades para as empresas. No entanto, a história nos ensina que avanços nos direitos trabalhistas não “quebram” economias. Pelo contrário, a valorização do trabalhador sempre trouxe benefícios para a sociedade como um todo, aumentando a produtividade, a motivação e a satisfação de quem trabalha. O fim da escala 6x1 seria mais um passo na construção de um país que reconhece o valor humano acima de tudo.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

GÊNERO, MACHISMO, VIOLÊNCIA E A CULTURA DO ESTUPRO

Nossa sociedade se formou tendo como base valores patriarcais e religiosos, onde o homem é o "cabeça" e a mulher submissa, que até nos últimos dias tem trazido consequências destruidoras, uma disparidade muito grande entre os gêneros masculino e feminino, onde a mulher ainda é vista como um ser inferior pela simples condição de ser mulher, o seu corpo atrai olhares como um verdadeiro objeto sexual masculino.

Interessante observar que em todas as etapas do nosso crescimento, (homens) aprendemos a objetificar o corpo da mulher e acabamos assimilando isso, trazendo como "natural" para as nossas relações de adultos, legitimando ações e relação de violência todos os dias.

Sendo assim, perpetua-se o mecanismo de legitimidade alimentando a

naturalização do estupro. 

Que culpa tem o bb de fraldas? Assim como a fralda, a mini-saia não tem culpa nenhuma, a culpa é sempre do agressor.

E pra falar de punição, é muito importante que façamos uma reflexão prévia. Pena de morte, castração química ou tortura na cadeia, parece que não vem surtindo efeito, muito pelo contrário, temos visto uma crescente dos crimes envolvendo estupros de crianças, meninas e mulheres e nos casos mais extremos a morte da vítima, parece que nenhum deles temem à represálias da comunidade ou tortura e até morte na cadeia. (Obs. Não estou dizendo que não deve punir).

Precisamos tratar deste assunto em suas várias vertentes, claro que a primeira é a punição do estuprador, mas e depois? É necessário falar sobre nossa cultura, aquilo que está nosso dia-a-dia mas não notamos. O que estamos reproduzindo nas rodas de conversas ou nas mesas de bar com os amigos? O que estamos fomentando ao ensinar um menino a assoviar para a menina, ou dizer que duas crianças de 4 anos são "namoradinhos"? O que queremos dizer quando falamos pro menino que "homem não chora" ou que "homem de verdade" não faz isso ou aquilo?

As crianças, meninos e meninas, são o fururo do nosso Brasil, e o que estamos fazendo com elas? Todo dia estamos matando uma parte do nosso futuro e deixando um vazio enorme em várias famílias.

Mudar comportamentos na nossa casa, ensinar o menino ser cavalheiro, a se abrir, falar de semtimento e de suas dores, e o mais importante, que o corpo da coleguinha não é propriedade dele, que ele jamais deve tocá-lo sem permissão dela é fundamental. Ensinar também o mesmo para a menina.

Bom também é falar sobre questões do corpo que remetem às suas partes íntimas, onde eles (crianças) jamais devem permitir que um adulto (guardadas todas as exceções) devem tocar, para que eles possam identificar abusos.

Precisamos ensinar os meninos e as meninas a falarem sobre o que sentem, e se por ventura vierem sofrer qualquer tipo de violação, eles precisam encontrar nos adultos de confiança deles (pai e mãe principalmente) toda liberdade e conforto pra contar, tios, cuidadores e educadores também devem estar atentos e sensíveis ao pedido de socorro da criança e do adolescente, eles sempre dão sinais. Só assim vamos evitar a destruição de vidas, famílias, sonhos e o futuro daqueles que sobrevivem aos abusos.

Cadeia, morte, castração e tortura não resolvem o problema, a punição pode ser cruel, assim como o ato cometido é, mas se nada for feito pra mudar nossa cultura, novos estupradores (muitos abusados na infância) vão surgir e novas vítimas terão seus corpos violados, vidas interrompidas e futuros cessados.

Vamos falar sobre isso, mudar nossa cultura, educar nossas crianças, e salvar nosso futuro.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Isolamento social, é hora de relaxar a quarentena?

O brasileiro ta dizendo que vão morrer muiitos mesmo, fazer o que? Mas que a economia e o mercado precisam reabrir. 
Porém,  perguntado: na sua casa, quem pode morrer? Escolhe 1 ai pra nós. A coisa muda totalmente a configuração. 
Por enquanto os 11 mil mortos são apenas números, se a gente, principalmente aqui em Diamantina relaxar agora, as mortes começarão a se traduzir em nomes, aí já não vão ser 12 ou 13 mil mortos, mas "meu filho" "minha mãe" "meu amor".