Tenho pensado o quanto a vida, em sua forma mais crua, pode ser dura. Há dias em que tudo parece girar num ciclo de perdas, repetições e pequenas dores que vão se acumulando em silêncio. Se o ser humano vivesse apenas pela razão — só pelo que é lógico e palpável — talvez a existência se tornasse insuportável.
É nesse ponto que compreendo o que Nietzsche chamava de ilusão vital: essa capacidade quase mágica que temos de criar beleza no meio do caos. É quando inventamos uma canção para suportar a saudade, uma pintura para dar cor ao vazio, uma fé para acreditar que a dor tem algum sentido.
Freud dizia que essas ilusões — o amor, a religião, os ideais — são mecanismos de defesa necessários. E talvez ele tivesse razão. Não se trata de fugir da realidade, mas de criar pontes para continuar atravessando o deserto que ela às vezes se torna.
Ferreira Gullar resumiu isso tudo em uma única linha: “A arte existe porque a vida não basta.” E é verdade. A vida, sozinha, não basta. Precisamos das ilusões que nos salvam, das músicas que nos curam, das ideias que nos mantêm de pé quando tudo parece ruir.
Talvez viver seja isso: equilibrar-se entre a lucidez e o sonho, sem perder a capacidade de se encantar — mesmo sabendo que, no fundo, tudo é breve.